Futebol
Souvenirs, novidades, jogos de mágica
Estive, esses dias, mais precisamente domingo último, na pista de skate de São Bernardo do Campo, para conferir shows de bandas amigas que lá se apresentariam - mas o que menos importava, à maioria dos que ali estavam ao menos, era música, ou qualquer manifestação humana carnal, genuína e honesta. O mais importante, para a criançada que frequenta o local (e que mostrou ser um recorte comportamental instantâneo dessa massa de infantes sem cara nascida dos anos 90 pra cá) é o marketing de si mesmo, a promoção de uma atitude antes da atitude em si, a maquiagem como permanente estado de espírito. Me sentia como em um descampado de hipnose coletiva maciça, no qual todos precisavam uniformizar-se, seguir as mesmas regras, comportar-se da mesma maneira, criar uma realidade ao invés de vivê-la, como se fossem avatares de redes sociais ambulantes. Se existia alguma sinceridade ali, era somente na diposição ferrenha dos guris em encarnar os simulacros. Assim sendo, vistamo-nos dos pés à cabeça de skatistas ou rockeiros antes de efetivamente sê-los - conta mais perante a "turminha fotolog".
Pois bem: na terça-feira, tivemos a tal "despedida de Ronaldo". Ali tínhamos, como tudo digno da atenção deste mundo moderno, um evento, antes de qualquer coisa. Nele, o intento era somente ratificar uma convenção, essa coisa histérica e doentia de que Ronaldo é um dos "maiores de todos os tempos", para emprestar algum significado a essa era dinheiro/mídia do futebol, que tanto investe em ilusão e que precisa de retorno eletrizado, televisivo, megalomaníaco. Assim como o que vi na pista de skate, o futebol, não de agora, tornou-se esse negócio do "vestir-se de craque antes de sê-lo", e aquele foi o dia de um dos maiores baluartes dessa realidade, a da publicidade que precede a ação, ser reverenciado pelos mesmos de sempre com textos já prontos, que poderiam ter sido escritos lá em 96, 97, 98, não faria diferença. Hipnotizados (da mesma forma que a criançada Internet-TV a cabo lá do domingo), amortizados perante uma imposição além de si, incrustada nessa coisa intransigente e castradora que é o tal inconsciente coletivo, e que, como tal, não pode ser contestada (alguém aí ousaria dizer que "Sgt. Peppers" não é o maior disco de todos os tempos?), mídia e público ergueram as mãos para congratular um jogador que bolou uma despedida heróica para si próprio, um gênio que era gênio antes de iniciar a carreira, um "Fenômeno" criado a golpes de talhadeira e sem concorrentes à altura quando o negócio é vender uma condição (pessoal, profissional). Um verdadeiro filho do seu tempo, em suma, que ajudou a solidificar (e esvaziar) os métodos de uma era, e que, de forma alguma, poderia ser "ídolo" de outra época que não essa.
Na despedida de Romário, diziam: "o adeus do Baixinho". Nessa, de Ronaldo, as palavras eram: "o adeus de um mito". Na diferença de tratamento reside toda uma realidade do esporte (e do mundo) moderno. No pós-futebol, mais do que o corporativo, Ronaldo representa a definitiva vitória do laboratório.
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