Futebol
A luxúria está mandando no mundo
Um ano termina, e o outro começa - mas é como se nada disso tivesse acontecido. Certo, eu sei que esse negócio de dividir o tempo em anos é apenas uma ilusão; mas, ao menos, utilizamos o Reveillón para marcar uma "nova" etapa nas nossas vidas, dar uma respirada funda em um ar que parece cheio de frescor, deixar de lado o pesado acúmulo de dias cinzentos para darmos a largada em algo que promete (ao menos, no início) ser muito melhor do que o já vivido. Só que, se nos deixamos possuir pela boa ingenuidade dessa idéia, o mundinho dourado do futebol vem para demolir nossas ilusões. Tudo continua podre no reino na bola - e, pior, continua nos chegando maquiado como mercadoria de primeira.
Tirando as engraçadas porquê patéticas negociações de clubes brasileiros, que contratam mal como há muito não se via, a egomania toma conta dos noticiários. Duas declarações, em especial, me chamaram a atenção: a primeira, claro, a de Roberto Carlos, novo lateral do "estrelado" time (ou melhor, da "marca", já que tudo ali parece mesmo embalado à vácuo para consumo imediato) do Corinthians, que mandou, em sua hollywoodiana apresentação no Parque São Jorge: "Vim para ganhar a Libertadores, pois é um título que ainda não tenho". Os urros da platéia foram imediatos: quem lá compareceu parece ter entendido que o jogador queria faturar a competição continental por e para todos que ali estavam para celebrá-lo; mas Roberto, este orgulhoso decano do "eu futebol clube", mostrou que continua o mesmo de sempre, ao colocar seu currículo, e também a sua satisfação pessoal, à frente do tão acalentado projeto Tóquio alvinegro. A vaidade do "ala" mostrou-se maior que o próprio circo armado no gramado da Fazendinha - e você acha que os seis mil analfabetos funcionais que lá foram pular se importam com isso? Se ganhar o título, pode dizer e fazer o que quiser. Assim é em seus empregos também: os patrões e superiores imediatos estão liberados para deitar e rolar com um festival de desmandos e ordens absurdas, contanto que o salário pingue em sua conta no dia certo e sem alterações. "Melhor do que nada", eles costumam dizer. E nem pelo time que torcem, algo que poderia servir como o escape de ao menos alguma raiva genuína dessa asfixiante realidade cotidiana, eles conseguem sair de sua lamentável inércia. Pois é: melhor do que nada.
E claro que ele, a grande paquita, o modelo-manequim-ator-apresentador-jogador, Cristiano Ronaldo, não poderia deixar de aprontar uma. Desta feita, ele disse que seu plano é transformar-se no maior de todos. ?Tenho a ambição de chegar a ser o melhor jogador da história?, afirmou o paquitão. Bom, delírios todos nós temos, em maior ou menor grau - o que impressiona em tal declaração é como o mundo extra-futebol trabalha a cabeça dessa gente que hoje veste a camisa dos colossos europeus. As bolas de ouro francesas, os prêmios da FIFA, o valor milionário do passe, os puxa-sacos na imprensa e na cartolagem, a Paris Hilton, tudo incutiu na cabecinha de noz de Ronaldo que ele pode ser o maior que já existiu. Veja que ele não se baseia no que faz em campo: o sujeito está num estágio além disso, ultimamente. São os dólares contabilizados e as aparições nas colunas de fofoca que fazem a diferença aí. Ele cresceu tanto como produto de consumo que passou a acreditar somente no céu como limite. O futebol fica em segundo plano quando o aparato midiático está a favor do cara - e, se fizerem uma dessas estúpidas votações via Internet, facilmente corruptíveis, os analfabetos funcionais citados aí em cima podem, sim, eleger o 7 lusitano como o Deus do esporte mais popular da Terra. Pelo visto, os fãs de Ronaldo, impressionados com o dinheiro que ele ganha e com as mulheres que ele come, tem um cérebro tão limítrofe quanto o do próprio ídolo.
E, agora mesmo, vejo um jogador da Copa São Paulo comemorar dois de seus gols para a câmera de TV... É, a luz no fim do túnel está, a cada momento, mais distante. Um bom 2010 a todos.
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