O jogo dos sete erros
Futebol

O jogo dos sete erros


Percebi, nesses últimos tempos, que perdi a generosidade para com o futebol e com as coisas que a ele se relacionam. O que poderia, há um tempo atrás, contar com a minha tolerância (ou até mesmo me agradar), hoje em dia só me causa irritação e descontentamento. Até entendo o porquê de os comentaristas ainda encararem com tanta festa o que acontece nos gramados mundo afora - afinal de contas, eles lá estão porque amam o futebol, e resolveram fazer disso o seu ganha-pão. Só que aí reside o que mais me deixa aterrado: a paixão não pode excluir a razão. No início, fazemos besteira em nome daquilo que amamos, graças à imaturidade e à descoberta; com o tempo, já temos discernimento suficiente para separar o que é certo e o que é errado dentro de uma relação. Pois, vemos hoje, claramente, em qualquer mídia, que a linha que separa o olhar benevolente e carinhoso da calhordice hipócrita é mais tênue que que sequer imaginamos.

Ontem, o tal de Arnaldo Ribeiro, articulista da ESPN Brasil e co-apresentador do Sportscenter ao lado do péssimo André Kfouri (suas fracas piadinhas e falsa descontração chegam a dar vergonha alheia) disse, logo no início do programa, como se fosse um pé no peito à moda do antigo telecatch, que o atual Brasileirão é um campeonato "sensacional". Admito que, se a pessoa pega apenas a tábua de classificação, com suas diversas possibilidades de queda e ascensão das equipes, pode até pensar que trata-se, sim, de um torneio instigante. Mas o que se vê dentro de campo não é, mas nem de muito longe, tão genial quanto os números, sempre frios, possam apregoar. Peguemos o jogo de domingo como exemplo: parecia que tínhamos 22 mortos-vivos no gramado do Palestra Itália. Um Flamengo que fez o necessário para estar à frente do placar, e nada mais; um Palmeiras que parecia se arrastar em campo, com atletas passivos, desmotivados, entregues ao resultado adverso. Um jogo vagaroso, de técnica pobre, totalmente sem atrativos - e falamos de dois dos que ocupam as cabeças da tabela, candidatíssimos ao título! Como um campeonato que apresenta uma partida lamentável como essa pode ser considerado "sensacional"? E nem cito as outras pelejas da rodada, tão deprimentes quanto.

Que o comentarista é apaixonado pelo esporte, por suas variantes, estatísticas, camisas e tudo o que o cerca, é notório. Aplausos para ele, com toda a sua cultura futebolística. Mas o amor também pressupõe crítica. Se você gosta de alguma coisa, precisa também saber enxergar e apontar o que acontece de errado com ela, no intuito de melhorá-la. Engolir lixo não-reciclável e arrotar que trata-se de coisa "sensacional" é o mesmo que a esposa trair o marido continuamente (ou vice-versa), e este(a) permanecer conformado com tal destino, em nome da paixão que nutre pela cara-metade. Nosso amigo Arnaldo, pelo visto, prefere criar ilusões e devaneios a respeito de sua musa, e não enxergá-la como realmente é. Contenta-se em viver num mundinho de ficção, criado para mascarar a sórdida realidade em nome do corporativismo. Tal atitude pode ser classificada com uma quantidade enorme de nomes, a maioria deletérios - mas nunca, JAMAIS, pode ser confundida como generosidade. Faça-me o favor.



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