Futebol
Procura-se um túmulo para a dignidade
Hoje o futebol moderno escreveu um de seus capítulos mais repulsivos. No Santiago Bernabeu, o Real Madrid enfiou 8 a 1 no rebaixado Almeria. Foi um espetáculo grotesco, um verdadeiro fundo do poço, talvez a perfeita chave de ouro para esse campeonato escroto. Hoje, mais uma vez, a glorificação do lixo a qualquer custo ficou exposta sem nervos diante dos meus olhos. Um time sem dignidade, hombridade ou seriedade apenas estava de corpo presente em campo, mas em espírito completamente acuado; não queria opor qualquer resistência ao esquadrão "galático", pois já se derrotara de antemão nos vestiários, erigindo um mundo que os separava deste anfitrião tão "estrelado", e amedrontado até mesmo de marcar, de encostar nos adversários. Vimos em campo, durante excruciantes 90 minutos, o protótipo do futebol moderno, como se fosse uma maquete de seu projeto: equipe menor esmagada (em termos estritamente numéricos) por aquela que possui maior poder aquisitivo. E a verdadeira tristeza da situação foi não apenas ver essa covardia comprada, imposta de fora para dentro ao Almeria; foi ver também que tais fortunas, como essa do time merengue, adquirem apenas nomes, moicanos e chuteiras coloridas, pois ali não tínhamos algo que chegasse ao menos perto daquele espírito de empolgação crescente que se espera em uma goleada desse porte. Não: apenas gosto de plástico, apenas uma torcida amorfa cegamente disposta a se fascinar com qualquer coisa, apenas a confirmação mecânica e sem vida de uma superioridade, apenas o horror de enxergar uma dominação quase fascista (pois ditatorial, sem espaço para respirar) do maior perante o combalido e apavorado menor.
Durante algum tempo, veremos gente falando que o Real deu "show", que Cristiano Ronaldo "jogou muito" e "quebrou recordes", que Mourinho é "o melhor técnico do mundo", e tal. Isso dito pelos mesmos fantoches de sempre, que se recusam a (ou sequer são intelectualmente capacitados para) avaliar as coisas com maior profundidade. Mas esses mesmos ases da opinião sequer tocarão no assunto que salta às vistas: o total sucateamento do Campeonato Espanhol, da sua transformação em latrina futebolística da Europa, em função, agora mais do que nunca, de seus mais estrelados times, dos "maiores jogadores do mundo", do dinheiro, da manutenção do "star system", do valorizar apenas aquilo que é rentável. Só que essa rotação doentia em torno de Barça e Real gira em falso, pois esmaga qualquer possibilidade de competitividade entre os dois monstros sagrados e o resto das equipes. Não enriqueceu o campeonato; apenas o sangrou. Neste momento negro, se bobear, os nomes de Cristiano Ronaldo e Messi passam a vir antes mesmo das agremiações às quais prestam seus serviços. Eles passaram a ser as peças mais valiosas, nesse momento de acentuado individualismo futebolístico (tema que desenvolverei depois). É neles que se encontra a matéria-prima da publicidade, a mercadoria mais valiosa do esporte hoje, e tudo precisa ser manobrado para chegar a seu encontro. Mas não vai existir reavaliação: tudo que aqui repudiamos permanece sendo considerado normal, sequer é discutido. Vemos os procedimentos mais absurdos da mecânica de nossas vidas serem incorporados ao futebol com passividade assustadora. E, se tremia de ódio ao fim desse apocalíptico prélio (realmente aconteceu), é por ter a certeza de que, apesar de ainda lutar com todas minhas forças pelo contrário, é daqui para pior.
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