Futebol
A profecia e o caminho mais difícil
Domingo de eleições do Grêmio, sem jogos da dupla Grenal, e a tarde de futebol indicava o Monumental do Cristo Rei, onde o Aimoré decidia contra o Guarany de Bagé uma vaga para as semifinais da Segundona gaúcha.
Após cumprir minha obrigação eleitoral com o meu clube, devidamente fardado, liguei para um amigo que mora em São Leopoldo para convidá-lo para ir pela primeira vez à Cancha do Índio. Ele prontamente aceitou o convite, e partimos pela BR rumo a São Léo. No caminho, meu sobrinho me ligou e pediu para ir junto; ele sairia de Canoas de trem e eu o buscaria numa estação no local da partida. Fizemos um tempo o esperando, e acabamos chegando no Cristo Rei com bola rolando. Estacionar o carro foi difícil, tive que fazer um caminho maior e deixar o veículo em local afastado da entrada do estádio.
Entramos no Monumental lotado, lindo de se ver, e nos encaminhamos para as arquibancadas opostas ao pavilhão. Para quem não conhece, dar a volta no estádio significa passar por um setor chamado de barranco, exatamente por ser um barranco onde a galera coloca umas cadeiras ou senta no chão para acompanhar o jogo do alto da colina. Existe uma trilha para subir o barranco e acessar as arquibancadas, mas me distraí e acabamos indo por baixo, onde temos que passar por um charco e praticamente escalar uma parte íngreme do barranco. Apesar das dificuldades, nenhum de nós quis voltar e fomos por esse caminho mais difícil. Embarramos os pés e cansamos de fazer uma escalada, mas acessamos finalmente a arquibancada oposta, contra o sol. Já estávamos na metade do 1º tempo e pudemos ver um jogo truncado, com Adriano Gabiru, o ilustre atleta do time adversário bem marcado e sem muita participação no jogo. Antes do fim da etapa inicial, nosso centroavante, goleador e craque do time Lucas Silva saiu lesionado. Não era um bom sinal. Imediatamente lembrei do rebaixamento de 2011 contra o Sapucaiense, quando eu estava nessa mesma arquibancada, e decidi que ela não dava sorte. No intervalo, convidei os guris para tomar algo no bar, na intenção de arrumarmos lugar no pavilhão, de preferência perto da Barra do Índio.
Não foi possível acessar o bar devido à enorme fila, e nos dirigimos ao setor do pavilhão onde estavam Los Reyes Del Barrio. Lá encontrei meu amigo Michael, o líder da hinchada, nos cumprimentamos e conversamos sobre alguns incidentes em relação ao espaço ocupado por eles na arquibancada ocorridos na etapa inicial. Sentei com meus amigos ali pertinho da galera, e o segundo tempo começou bem melhor, com muito mais vibração tanto do time quanto da arquibancada, agora com o reforço da batucada da galera da barra.
O Aimoré tinha ganho o jogo de ida lá em Bagé por 1 x 0, e por isso jogava por um empate para passar de fase. Mas a etapa complementar se mostrou terrível para as pretensões do Índio, com uma atuação sofrível. No finalzinho do jogo, quando já olhávamos para o relógio, eis que nosso time toma um gol bobo, advindo de um cruzamento e um bate-rebate na área, até que um jogador deles completou para o gol. Muita vibração deles e provocações dirigidas à nossa torcida, e um pequeno incidente se formou. No reinício do jogo, algumas tentativas infrutíferas, fim de jogo e vamos aos pênaltis.
Imediatamente pensei que meu amigo Daniel não merecia perder na sua estreia de Cristo Rei, e pedi uma força especial aos deuses do futebol para que isso não acontecesse. Olhei pro lado e vi o Michael chorando e rezando, com o desespero estampado em sua cara. Fui até ele, dei um abraço e falei assim: "Cara, o Pitol (goleiro do Aimoré) foi formado no meu time, eu conheço ele, e te garanto que ele pega dois pênaltis, te garanto isso, pode ficar tranquilo!". Ele me olhou com uma cara de sofrimento e não emitiu palavra. Quando voltei, meu sobrinho me perguntou: " Tu confia no Pitol?", respondi: "Ele vai pegar dois".
Primeira cobrança do Guarany, gol. Meu nervosismo era gigantesco, porque gosto que meus times iniciem batendo, pois se errarmos, temos a esperança do goleiro pegar. O Daniel virou pra mim e falou: "Vai dar meu, vamos ganhar, tô curtindo muito isso aqui!". Tive a confiança de que um sentimento desses não merecia ser frustrado. Nem o meu. Nem o do Michael. Nem o do resto da galera Índia. Não era possível que o time de melhor campanha na 1ª fase seria eliminado logo de cara no mata-mata. E então me lembrei da minha profecia/certeza: Marcelo Pitol pegaria dois pênaltis. Então era só torcer para que nosso batedores fossem competentes. E veio a 1ª cobrança, bola pro lado e goleiro pro outro. Fiquei mais tranquilo e sabia que estava chegando a hora do Pitol. Cobrança do Guarany, defesa de Pitol! Muita festa da galera, o Michael veio me abraçar e eu falei: "Ainda falta um!". Cobrança do Aimoré, gol! Próxima cobrança do Guarany, nova defesa de Pitol e eis que minha profecia se cumpriu! Olhei pro Michael e gritei: "Eu te disse, eu te disse!!". Cobrança do Aimoré, gol! Cobrança do Guarany, eu sabia que seria gol, e o Pitol quase pegou mais uma, mas a profecia tinha que se cumprir. O pênalti final do Capilé foi dramático,o goleiro roçou na bola mas não teve jeito: gol do Aimoré, classificação garantida e loucura na arquibancada. Depois de comemorar com meu sobrinho e meu amigo, dei um abraço no Michael e falei: "Eu te disse, eu te disse, eu conheço o cara, o cara é fera meu!!".
Saímos do estádio fazendo festa, satisfeitos por ter conseguido uma vitória dura, pelos caminhos mais difíceis desde a ida até o jogo, mas com a certeza de que essas vitórias são as que tem o sabor mais especial. Agora, rumo às semifinais e à Divisão de Acesso!!! Vamos ÍNDIO!!!!
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