Futebol
Papo de Bueiro
Passar um domingo na companhia de Simone Melo, Elis Marina e Elia Junior ? apresentadores do saudoso programa ?Show do Esporte?, da TV Bandeirantes - era como estar num clube de campo, ou num parque público, absorvendo os maravilhosos benefícios que a prática esportiva pode oferecer. Talvez não fisicamente, mas mental, podem ter certeza. Você sentia que alguém lutava pelo futebol, pela natação, pelo pugilismo, vôlei, basquete, enfim, alguém se importava. O chefe da turma, Luciano do Valle, tecia incontáveis críticas a falta de incentivo do governo, apontava sua importância na formação dos mais jovens, promovia eventos no verão ? toscos e, ao mesmo tempo, deliciosamente divertidos - e as transmissões dos campeonatos (Calcio de Maradona, Paulista de Biro-Biro, etc.) eram tão autênticas que não se apaixonar por elas era quase impossível. No domingo retrasado (6 de dezembro), a mesma emissora apresentou-nos mais um episódio da novela intitulada ?Papo de Boleiro?, onde ?jogadores? são exibidos como mercadorias, e os ?repórteres? funcionam (apenas) como o Lombardi funcionava para o Sílvio Santos. Os domingos não são mais os mesmos, e a TV Band (bem mais ?moderna? e alimentada pelo investimento de inúmeras marcas milionárias) se mostra descompromissada com as condições miseráveis do esporte e da educação brasileira. O produto exposto na prateleira ?Band Esporte Clube? desta vez foi um dos mais requisitados no mercadinho da bola, Ronaldo Gaúcho. E, como não poderia de ser, vimos um festival de falsas promessas e medíocres análises de sua carreira. Apesar de a chamada prometer que ele ?falaria sobre tudo, sem medo da verdade?, exponho aqui três trechos marcantes que desmentem não somente o que o anúncio rezava, como também muito da carreira enganosa deste player. A única coisa que eu esperava ver, e que realmente aconteceu foi o clima descontraído que os dois elementos na tela mantinham, mesmo quando o assunto era uma derrota, ou algo negativo na história conturbada do irmão de Assis. O intuito ali não era cuidar, questionar, reformar, aparar ou avançar, e sim, ?passar um pano?, ilustrar e vender! Vamos aos alarmantes fatos.
Quando o assunto foi os jogos olímpicos que o atleta disputou a coisa fedeu: sobre a humilhante derrota para Camarões, em Sidney (2000), o tal ?craque? se dizia chateado pelo acontecimento ?inexplicável? ? visto que o time africano anotou o gol derradeiro atuando com três jogadores a menos do que o escrete amarelo. Bem, isso é verdade, aquele foi um jogo para entrar para a história, daqueles com o bom e velho requinte de ?Davi versus Golias? (que acontece com freqüência cada vez menor). O que nenhum dos dois teve a coragem de mencionar foi o fato de que no lance que originou o gol fatal, quem perdeu a bola no meio de campo (propiciando o inesperado contra-ataque), de maneira infantil e egoísta, foi exatamente Ronaldo Gaúcho. Detalhe, nada mais, não? Eu acreditei, por certos minutos, que o assunto seria tratado dessa forma, e que Ronaldo pudesse explicar o que tentou naquele lance (alguém aí se lembra da insurreição ao craque Toninho Cerezo?). Mas eu teimo eu viver o futebol como fui ensinado, onde o valor tem que estar vinculado ao que se faz em campo ? quando o que hoje conta é muito mais o que se faz na telinha mágica. Sobre a outra decepção ? aquela em que o player em questão fora convocado por Ricardo Teixeira e recebeu o apelido de ?Patrão? ? novamente o atleta deu de ombros, se mostrou decepcionado, mas fez questão de afirmar que, apesar da derrota (3 a 0 para a Argentina), o que valia era representar o país. Como ele representou também não me pareceu um assunto importante a ser discutido; estar ali, sorrindo e aparecendo no telão parece ser o total significado de ?representar a pátria? para o sujeito. Ponto negativo para o papo.
Em seguida, o clima ?esquentou? ao papearem sobre sua saída do time que o formou profissionalmente, o Grêmio de Porto Alegre. Impossível não lembrar que o camarada saiu de forma tristonha, rotulado de mercenário pela torcida, quando se devia esperar que um ?ídolo? como ele, deveria sair como herói, e não vilão. Andando de mãos dadas, em intenções e argumentos furados, ?repórter? e ?jogador? se esforçaram para demonstrar que o que houve foi um grande mal-entendido, e que o jogador havia sido vítima da situação. Como o clube brasileiro precisava de dinheiro, e o europeu (no caso, o PSG, da França) o tinha para comprá-lo, as duas partes ficaram satisfeitas e ele tinha que seguir com sua vida, seu ?trabalho?. Vejam, crianças, neste joguinho de interesses a torcida, o torcedor (aquele que está sempre ali, ano após ano, apoiando de verdade o clube, e sofrendo todo o tipo de abuso) não conta como parte interessada. Torcedor não é para ter opinião, muito menos para protestar! Sua opinião é oca para os investidores ? melhor até não ter nenhuma, e sim bom gosto para consumir. Mais assombroso ainda, a emoção do torcedor também não conta mais para o jogador, tampouco para o repórter ? aquele que jurou fazer de seu trabalho o retrato dos fatos e, como o médico que atende somente mediante pagamento, prostitui assim sua palavra e honra. Não há mais o sentimento de quem alguém, além de você mesmo, cuida do valor do esporte, se importa. Ele se assumiu gremista de coração: "um dia volto a vestir esta camisa" ? descuidado, fez uma promessa que, justamente neste ano, seu mais famoso xará (porque são tantos que até me perco, às vezes) não foi capaz de cumprir, em relação ao Flamengo. Outro ponto contra!
E para encerrarmos o fluxo de merda que escorreu pela tela, abordamos o famoso tento decisivo que este gaúcho anotou contra a Inglaterra, no certame de 2002 (vitória brasileira por 2 a 1). Na ocasião, Ronaldo bateu uma falta perto da lateral direita e a bola acabou por encobrir o arqueiro inglês, caindo dentro do gol, no ângulo direito da meta. Primeiro, há que se dizer que apenas por trazer este assunto ? da maneira como foi feito - já se via que vinha mais masturbação pela proa. E se Ronaldo não teve coragem para discutir temas errôneos e polêmicos na carreira, que dirá de um gol que ajudou, e muito, construir sua imagem de ?craque? ao ser repetido inúmeras vezes - ao contrário daquele contra-ataque aos camaronenses, por exemplo. Magia das mesas de edições espetadas por bebidas energéticas - os novos agentes do futebol! Bem, desde o segundo seguinte ao lance tive a nítida sensação de que foi um chute para encontrar o cabeceio de outro jogador, e que o feito teve muita ajuda daquela ocasional sorte que (por bem) sempre fez parte deste jogo magnífico. Mas como não sou nem Deus, nem o autor da obra, era impossível ter plena certeza disso. Graças ao instrutivo ?Papo?, e a argumentação do atleta para o lance, esta dúvida não mais existe: ?não era para colocar ali onde ela entrou, mas era para meter no gol?, afirmou Ronaldo (às descontroladas e superficiais risadinhas de ambos). Insuportável o cheiro de podridão no ar, de uma forçada tentativa de parecer um garotinho gente boa. A covardia o cegou de que ali estava a oportunidade para demonstrar uma verdadeira e natural humildade - que tanto imprimem às áureas dos milionários players, e que se ressente nas atitudes e palavras deles. Qual seria o problema de assumir que a intenção era cruzar, e a bola acabou dentro da meta? Acredito até que seria mais irônico e provocativo ao derrotado ? isso se ainda se importassem com algum espírito coletivo, em detrimento da purificação e engorda de suas contas bancárias. Qualquer pessoa que já tenha chutado uma bola, disputado uma partida de futebol ? na várzea, ou profissionalmente, que seja - sabe que a única maneira de alguém chutar direto ali era, exatamente, colocar a bola onde ela entrou, ou no ângulo inverso ? o que faria do seu chute algo bem mal feito, não justificaria suas risadinhas, e implicaria na explicação de onde, então, ele queria chutar. Ainda que os jogadores não treinem mais os fundamentos do jogo ? e não por coincidência (e, sim, por conseqüência) o nível técnico está paupérrimo - não seria nada impossível um craque fazê-lo com intenção, ainda que naquela posição inusitada do campo (quem viu Zico, Neto ou Marcelinho executarem tiros livres atesta a favor). Mas se ele não queria colocar a bola ali, ia jogá-la onde? Nas mãos de Seaman? Faz-me-rir! Nem mentir como Bilardo e Edmundo, nem tirar um sarro como faziam Higuita e Viola esses ?craques? sabem. Trezentos pontos negativos, pelo conjunto da obra!
Ao final do espetáculo, o "Patrão" disse que se não fosse jogador, trabalharia num circo. Possivelmente a mais inteligente declaração de todas ? embora sua atuação como ator, modelo e (com conhecimento familiar, por que, não?) empresário não lhe caem mal. Sendo assim, emendo-a de primeira ao citar Franz Beckenbauer, que recentemente desabafou: ?Robinho parece jogador de circo. Se jogasse com simplicidade, poderia ser um grande jogador?. O mesmo vale para este gaúcho, e para tantos outros que aí estão - pintados e bordados de semideuses do futebol. Engraçado como as coisas tem sempre dois lados funcionando. Bury e eu tivemos a idéia de um circo para os ?malabaristas da bola?, já na época de Sávio e Denílson. Mas nós somos dois doentes por futebol, e não ganhamos um centavo com isso. Sabemos que o Kaiser faz parte daquela turma de ex-jogadores (Pelé, Platini, etc.) que estão sempre a puxar o saco da FIFA e de seus amiguinhos. Acredito que, com uma declaração pública dessas, sua paciência tenha se esgotado ? e para provocar isso, podem ter certeza, Robinhos e Ronaldos são mestres. Peço desculpas aos eventuais freqüentadores deste sítio, tanto pelo titulo, quanto pelas palavras de baixo calão relacionadas ao mesmo. É que eu necessitava elevar um pouco o nível tratando de um assunto como este. Um beijo na alma de Simone, Elia e Elis - de alguém que se importa!
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