Ascensor para o cadafalso
Futebol

Ascensor para o cadafalso


Existe uma brutal diferença entre Neymar e Amaury Junior, e ao mesmo tempo não existe diferença entre Neymar e Amaury Junior. Pode parecer esquisito dizer tal coisa para começar um texto, mas foi o que veio à minha mente quando me deparei com uma matéria sobre o "garoto-prodígio" santista, veiculada no Estadão e depois repercutida no depósito de podridão chamado revista Veja. O foco da história é o pai do garoto, de mesmo nome do filho (os dois na foto), que também gerencia sua carreira, e que, como ex-jogador de futebol sem grandes feitos a se considerar, assiste agora ao sucesso do filho - que, claro, é medido primeiramente através de seus ganhos materiais (idéia essa herdada do american way of life, é sempre proveitoso lembrar). Ambos, revista e jornal, enchem a boca para dizer que o ponteiro do Peixe já adquiriu um apartamento triplex, com sauna e piscina particulares, e possui um carro Volvo, desses que valem cerca de 100 conto, novinho em folha, na garagem de seu condomínio burguês. Pode parecer justo e bonito, inspirador até - mas eu, como sempre, fiquei apavorado, tomado por calafrios e sortidas visões apocalípticas.

Não só por tal exaltação ter sido feita nos citados veículos, uma indignidade total para qualquer um, e da abordagem da coisa toda, que liga sempre a idéia de felicidade à de dinheiro (coisa que traz à mente um desses inomináveis parasitas que pregam a tal "teologia da prosperidade", como o caricato Silas Malafaia) - mas por imaginar a situação de Neymar como novo-rico. Do nada, o garoto já se viu catapultado ao jet set, compartilhando a vizinhança e a admiração de pessoas abastadas, representantes de uma elite sanguinária e oportunista que não hesitaria em pisar no pescoço ou virar as costas para o moleque e seu progenitor, se eles não houvessem adquirido o status para o qual tanto se ajoelharam antes, perante os que hoje os adulam. Pois a preparação era essa, a de se fazer a transição entre a classe baixa e a classe alta - e o que interessava ao pai de Neymar não era essa conversinha fiada de "quero ver meu filho ser craque de futebol porque amo o esporte": o que o movia era a ascensão social, pura e simples. Por quê não assume logo, de cara limpa? Pelo menos, nos poupariam dessas papos-furados que ligam os hoje incongruentes "futebol-arte" e "humildade", pois o futebol moderno não permite que tais sentenças sejam conjugadas lado a lado (veja o caso do falido Robinho, cuja "arte" o levou aos píncaros da fortuna e fez crescer em si uma máscara desproporcional à sua realidade de franca decadência).

Mas o que me causa maior espécie é ver que a passividade dessas pessoas é incrivelmente contagiosa. Neymar faz parte de uma turma que não nasceu para contrariar nada, isso é notório. A marca de sua geração, assim, como a de algumas anteriores, é justamente essa: a de ter as coisas de mão beijada (por exemplo, veja as facilidades que essa própria Internet implantou mundo afora - não é necessário sequer você levantar da cadeira para fazer tudo o que se deseja), e para quem a resistência significa estupidez. Não interessa combater os métodos e a postura dessa alta sociedade que tanto os oprime; o que interessa, motivado por questões constantemente à nossa volta (mídia, propaganda, família), é unir-se a elas, sempre sorrindo. Toma-se parte do topo da pirâmide social, e observa-se de cima, da varanda de um apartamento triplex, aos que ficaram na base. É mais cômodo unir-se aos que tem grana, porque o desejo, para quem os observa enquanto está por baixo, é comportar-se exatamente igual a eles. Não se lembram de quando Robinho teve a mãe sequestrada, e a levou embora para a Espanha, um país "mais seguro"? Esse é o procedimento usual das elites: o de se esquivar, o de fugir da raia como se não fosse parte do problema, o do medo com a perda do patrimônio, o da covardia e da omissão (que não os impede de esbravejar ante a "falta de segurança", mas para a qual contribuem decisivamente, com seus preconceitos e ostentações). A vida do garoto mudou, assim como a de sua família - mas o que estava errado antes disso permanece errado, já que eles tornaram-se um modelo de adequação ao sistema que antes os segregava. Amaury Junior aprovaria.

(Sobre o jogo de ontem: se tivéssemos o Grêmio "Prudente" no gramado do Pacaembu, ao invés do Santo André, haveria pouca diferença no que diz respeito aos procedimentos. Pois o Ramalhão estava em meio a uma disputa interna, a de jogar o que podiam para ver quem iria para onde, no fim desse campeonato. Agora que o Paulista acabou, o time está inteiro à venda, assim como o antigo Barueri, ao término do Brasileiro passado. Os interessados já estavam avisados; então, é só chegar e levar - igual às feiras de escravos no período de nossa colonização. A nova - velha? - ordem estende as suas garras, mais uma vez.)



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